Transcrevo esta reportagem do Diário do Nordeste de 27/03/05, sobre o maior homem do teatro cearense do Século XX, o cratense Waldemar Garcia(Foto). A lembrança vem bem a calhar quando inauguramos, ontem , o nosso Cine Teatro e é impossível se erguer templos de artes cênicas sem lembrar de um deus do porte do nosso Waldemar.
Definitivamente, Waldemar Garcia foi um homem à frente de seu tempo. Dentre os muitos pioneirismos que protagonizou ao longo de 50 anos de carreira, ele foi responsável por inserir, no disputado ambiente universitário da Capital cearense, o embrião de uma prática teatral. O trabalho que realizou na década de 40 abriu caminhos para que, posteriormente, o diretor e teatrólogo B. de Paiva viesse a desenvolver o Curso de Arte Dramática (CAD), junto à Universidade Federal do Ceará. O Caderno 3 visita hoje esse cenário, espaço singular na trajetória das artes cênicas no Estado. Palco de crises severas vividas nos últimos anos, condição que contradiz com sua relevância para firmar o teatro localA imponente Universidade Federal do Ceará nem existia, quanto mais seu futuro Curso de Arte Dramática, quando Waldemar Garcia vislumbrou, nos estudantes, um potencial ímpar para o desenvolvimento das artes cênicas no Estado. Foi entre eles que o já renomado homem de teatro, vindo do Cr
Kiko Silva
PROBLEMAS ANTIGOS prejudicam a atuação do Curso de Arte Dramática e do Teatro Paschoal Carlos Magno. Na foto, o ator Chicão Oliveira, durante as atividades de mobilização dos estudantes
ato, fez ecoar sua rigorosa concepção de encenação, que viria se revelar a base para a consolidação do moderno teatro cearense. Nada de visionário no comportamento do velho mestre, muito embora ele tenha antecipado, em alguns anos, as idéias do referencial Paschoal Carlos Magno (1906 – 1980), apontado como pai do teatro de estudantes no Brasil.Na verdade, Garcia, como bom caririense, não devia ficar alheio ao que se passava, na época, ali no vizinho Pernambuco. Quando em 1949 estréia o espetáculo “Vila Rica”, texto de Magalhães Júnior, marco da fundação do nosso primeiro grupo de teatro universitário, o polivalente senhor dos palcos concretizava por aqui uma perspectiva que vinha mostrando bastante força na Capital pernambucana.Data de 1946, o encontro do calouro Ariano Suassuna com o romancista e teatrólogo Hermilo Borba Filho (1917 – 1976). A parceria, nascida nos corredores da Faculdade de Direito do Recife, foi fundamental para o surgimento do Teatro do Estudante de Pernambuco, berço para o desenvolvimento da dramaturgia suassunesca, para a criação do Teatro Popular do Nordeste, e, conseqüentemente, para o nascimento do Movimento Armorial.Todo o processo encabeçado por Waldemar na Fortaleza dos anos 50, uma cidade com pouco mais de 270 mil habitantes, repercutiu muito no cenário cultural de então. Dos trabalhos que orientou com os estudantes, surgiram e/ou passaram a ter mais destaque nomes de bastante expressão no teatro cearense, como Geraldo Markan e Eduardo Campos. Essa atividade chamou atenção para uma demanda existente no meio universitário: havia, sim, um grande interesse pelo teatro. Foi com essa constatação que o diretor e teatrólogo B. de Paiva (depois de uma temporada no Rio de Janeiro, onde estudara com o próprio Paschoal Carlos Magno), com a devida sensibilidade do memorável reitor Antônio Martins Filho, criou, em 1960, o Curso de Arte Dramática da UFC e, cinco anos depois, o Teatro Universitário Paschoal Carlos Magno.O CAD surgiu comprometido com o teatro novo, mas não abriu mão do que já vinha sendo feito. Formou muita gente nova, mas os veteranos também tiveram vez. O próprio Waldemar Garcia passou por lá, manuseando o seu piano para animar as aulas de expressão corporal e também de balé, essas ministradas pela bailarina Tereza Bittencourt. Passados 45 anos de sua fundação, o Curso de Arte Dramática padece com problemas já não tão recentes, que têm inviabilizado sua atuação de forma mais incisiva, como a de anos atrás, quando era o principal ponto de encontro, produção e discussão do teatro feito em Fortaleza.
No decorrer da década de 50, a encenação vai eliminando aquilo que tinha de rudimentar. O improviso vai saindo de cena, o ponto é abolido de vez e a atuação passa a figurar como ponto de maior relevância para a construção dos espetáculos. Repetindo frases de impacto, como a que pregava que o ator tinha que saber o texto como sabe o caminho de volta para casa, Waldemar Garcia introduziu um teatro meticuloso, em que os elementos cênicos eram explorados ao máximo e com precisão. Com isso, chamou atenção para uma concepção em que o modo como se conta uma história passa a ser tão ou mais importante quanto o quê está sendo narrado, tal como pensava Ziembinski.Ainda no Crato, o velho mestre se encontra com a arte de figuras interessadas por algo novo. No palco do Cine Cassino, conhece futuros parceiros, a exemplo do ator e diretor Fernando Silveira, responsável pela montagem primeira de um texto de Nelson Rodrigues pelo teatro cearense: “A mulher sem pecado”, em 1946, com o elenco do Centro de Cultura Teatral (do qual Waldemar Garcia também fizera parte). Além da audaciosa dobradinha com Manuelito, com o qual protagoniza a estréia de “O Demônio e a Rosa”, em maio de 50, nesse mesmo ano, ele dialoga com a dramaturgia de Ibsen e encena “Espectros”, com Tarcísio Holanda e os atores do Teatro Universitário.Falecido há exatos 20 anos, Waldemar Garcia deixou rastros que nem o tempo é capaz de apagar. De personalidade forte, a palavra do diretor sempre teve um peso pra lá determinante. Todos queriam saber o que ele achava, o que considerava certo ou errado, para que não decepcionassem o ensinamentos do velho mestre. Pelos palcos Brasil afora, sua voz imponente ainda está a ecoar. Como bem evidenciam os depoimentos de quem com ele conviveu espalhados nas páginas desta edição. Palavras de gratidão a serviço da memória do nosso Ziembinski caririense.